quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Conto do Entreposto - Primeira parte



Hoje, sentado neste banco de madeira e metal, me vem a cotidiana lembrança do que me privei de viver. Lembranças das escolhas feitas. Desejos postos de lado por algum outro interesse menor.

Quando o encontrei, ele estava sentado neste mesmo banco, o qual naquela época já apresentava certo desgaste devido a ação da natureza. Chuva, vento e sol eram velhos conhecidos que visitavam aquele banco com frequência. As árvores, suas companheiras, cresciam por detrás a décadas, e em torno delas o chão de terra macia, forrada por uma grama verdejante e sempre bem aparada, dentre a qual floresciam e exalavam suave perfume, belas e delicadas orquídeas e azaleias. Uma paisagem de sonhos enamorados.
A imagem daquele senhor contrastava com a beleza do local. Dizia ter 62 anos mas sua aparência acusava séculos. Olhos cansados, nariz adunco e fortes marcas na testa e nos lábios que transmitiam a mensagem de uma tristeza com a qual já convivia a muito tempo, que tinha se fixado a face daquele homem e esculpido sua imagem em algo lamurioso e inquietante.
Não é novidade eu dizer que o incomum sempre me atraiu, e após me deparar com aquela imagem, dia após dia, semana após semana, quase como uma obra de hiper-realismo exposta na praça, a não ser pela pouca variação de roupas e seus raros e suaves movimentos, tive de ir até ele, puxar assunto e tentar decifrá-lo.
Os primeiros contatos foram breves, e tratávamos os assuntos superficialmente. Falávamos sobre o tempo, política, futebol e música. Foram meses até nossas conversas começarem a fluir com maior naturalidade e, mesmo que aquele senhor não tivesse mostrado o mínimo interesse em revelar detalhes sobre sua vida pessoal, eu considerar o momento adequado para fazer a pergunta sobre o que realmente desejava saber. Em tom suave e extrovertido, perguntei:
 - O que o traz diariamente a esta praça, onde fica sentado como se aguardasse algo ou alguém?
Os dedos de suas mãos colocados de forma intercalada, as pontas dos polegares se tocavam, cotovelos apoiados sobre os finos joelhos, e com olhos opacos, buscando um horizonte dentro de si mesmo, ele me deu a intrigante resposta.
            - Aguardo o retorno daquela oportunidade que não voltará.

sexta-feira, 30 de maio de 2014

Talvez hoje eu durma antes do final do dia

O quão difícil é dar o primeiro passo num caminho distinto, após tanto tempo percorrer essa estrada que nos trouxe a lugar algum. O cansaço é evidente e o que nos conduziu até aqui esquecemos já há algum tempo.
Suas pernas clamam “fique”, e o coração fora de ritmo anseia por descanso, por descanso...
Talvez hoje eu durma antes do final do dia.
Apenas uma longa pausa antes de por novamente os pés em movimento. O calor de uma fogueira e a fria água a confortar os lábios. Deitar-se e abraçar os joelhos, adormecer e talvez sonhar.

Não há tempo! Não há motivo! Não há Terra Prometida!

Põe os pés ressequidos em movimento esquecendo as feridas nos calcanhares abertas pela extenuante jornada, e cria a trilha, nova trilha, sobre a trilha de outrem!

Mas outra hora. De momento, talvez eu durma antes do final do dia...

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Reflexivo - I

Sentou-se sobre uma grande rocha, distante de tudo e de todos.
Sentia a textura áspera sob os pés, uma incomoda massagem.
O vento lhe tocava a face, forte porém gentil em sua intenção, quase como as mãos de quem tenta acariciar, sem prática, a pele de outrem.
Levou a garrafa até a boca, num beijo frívolo como já outras bocas beijara antes. Fechou os olhos e sorriu.
Sentia naquele momento que não integrava nada, que no entanto estava ligado a tudo, que estava livre no ar, que podia tocar ao mesmo tempo mares e céus. E que doce sensação era aquela, que durou uma fração de segundos, não mais que isso.

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Um navio

Meticulosas e hábeis foram as mãos daqueles que o prepararam, em sua grandiosidade ímpar e de esplendor inexorável. Uma garrafa de champanhe quebrada ao casco marcou sua nova fase, quase boas vindas, quase uma despedida, e ele estava ao mar.
Sua função, ainda indeterminada. Mercantil ou pesqueiro, negreiro ou um luxuoso turístico, nada se sabia. Quem o conduzirá poderá dizer.

 Talvez um dia seja interceptado por uma horda de corsários que se apropriem deste e ergam em seus mastros a bandeira negra, conduzindo-o a pilhagem e destruição. Talvez seja abalroado numa primeira disputa e aderne em profundas águas salgadas, onde fariam morada crustáceos e corais, algas e diversas espécies de peixes e criaturas marinhas. Talvez faça história, conduzido a novas terras, a descobertas, a um horizonte além do jamais explorado. Talvez carregue consigo tesouros de enorme valia, talvez terror e morte, mas ao tocar a água, os olhos o veem majestoso, assim como é, e desconhecem seu destino, apenas lhe desejam sorte e bons ventos.

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Minimalista



"Você pensa pequeno!" Vejo as pessoas afirmarem umas às outras durante discussões. Você pensa pequeno... e o que seria pensar pequeno? Existe alguma parametrização para medição dos pensamentos que desconheço? O que define pensar pequeno?

Uma ambição menor que um carro do ano, um apartamento luxuoso num bairro nobre, uma família com dois filhos e, menos que R$ 50 mil por ano. Por definição, menos que isso é pensar pequeno.

Pensar pequeno é não querer ser o empresário bem sucedido que viaja o mundo enquanto os números crescem em sua conta bancária. Pensar pequeno é, mesmo solteiro, não desejar uma mulher diferente a cada noite, não esbanjar dinheiro nas melhores baladas de São Paulo, nos melhores restaurantes, nos melhores etc's definidos pelas grandes revistas, jornais e redes sociais.

O brilho do sol já não ilumina o dia, a chuva torna-se um problema e não uma benção, o vento que toca a sua pele já não é um afago mas uma agressão, e você é um escravo do tempo.

Tentamos mudar e nos deparamos com um caminho no qual colocamos em dúvida nossas próprias escolhas, se realmente optamos pela simplicidade ou se na verdade desistimos de lutar pelos sonhos fabricados que nos foram impostos.

Muitas vezes considera-se que pensa pequeno, aquele que começou a pensar.

domingo, 29 de setembro de 2013

Um coelho

Tempo... venho pensando muito sobre o que o tempo representa. Tempo é apenas uma unidade de medida, para determinar o passar dos dias, meses, anos. Para contabilizar os segundos inesquecíveis, minutos perdidos, horas de aflição. O tempo não cura, O tempo não amadurece, o tempo não ensina. É apenas o correr dos ponteiros do relógio te empurrando em alguma direção ou te forçando a tomar uma decisão, que talvez precisasse de mais tempo. Apesar de ter que cumprir horários, o tempo não tem valor nenhum pra mim. Assim como metros, quilos, litros... é apenas tempo.

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Lex I

Sempre tive problemas em vocalizar opiniões. Assim como a maioria das pessoas, gaguejo ou me perco em meio as ideias, que parecem fluir desordenadamente, tornando inúteis as horas de ensaio realizadas antes de tratar algo com alguém. Enfim, acredito ser um pouco menos ruim redigindo.
No papel você ordena as idéias como devem estar dispostas, escreve, apaga, corrige, e no final se obtiver linhas minimamente interessantes e claras a quem quer atingir, parabéns.
A leitura e escrita se perderam um pouco, mesmo no universo digital onde temos acesso a tanto conteúdo literário.
No Brasil, a maioria se mantém presa aos 140 caracteres do twitter, ou famosos pensamentos de autores, dispostos sobre imagens bonitas, postadas nos murais do facebook.
Isso aqui nada mais é, do que a tentativa de algum frustrado, de incitar sua mente para que volte a trabalhar, e saia da zona de conforto na qual se deixou cair. É o complemento de uma mudança interior. É um progredir, um regredir, é um monte de asneira ou algo de valor, que pode durar décadas ou acabar nesse post.